quinta-feira, 3 de julho de 2014

Os três.

Os meus irmão me ajudaram a ser melhor, me atormentando todos os dias, me puxando os pés ao cair da noite, me levantando pelos cabelos e arruinando minhas paixões de infância.
Os meus irmãos foram meu quadro em branco para que eu pudesse atirar-lhes todas as cores de tinta sem me preocupar com o resultado.
Os meus irmão me assustaram, me emocionaram, me descobriram, me incendiaram o peito.
Não há nada que seja tão inexplicável quanto meus sentimentos por eles.
A sensação está integra quando assinto à uma daquelas filmagens antigas, com pessoas e roupas antigas, e a nossa ingenuidade demoníaca a preencher todos os cantos da casa.
Os meus irmão são complementares a mim, e eu sei que nos ligamos por um fio invisível que nos fizeram curar as dores de respirar sozinhos pela primeira vez, e que ainda hoje nos encontramos nos nossos olhares, tão parecidos.
Encontro neles mais de mim do que posso ver em mim mesma no espelho. Encontro-os fora do meu controle e tão cheios de individualidades, de manias e maneiras que não encontro em mim.
Poderia eu ter sobrevivido a esse mundo ranzinza sem nossos pés no chão do quintal? Sem a praça no centro da rua? Sem a rua para os pés descalços, e sem os descasos e acasos que nos salvaram,tantas vezes, de uma infância calada?
Gritávamos a todo instante! ( Mais eu do que eles!) E estivemos, na maior parte do tempo, com o peito aberto,a boca cheia de comida, e um brinquedo nas mãos.
Nos reinventávamos todos os dias, seja nos banhos de mangueira, nos balanços suicida que papai fazia, na comida compartilhada na panela, nos malabarismos com os gatos, nas guerras por espaço, na saturada companhia e presença constante, ou na saudade relutante de quando um de nós saia de perto.
Eramos três, infintos três! Três gatos, três pacotes de bolacha, três aniversários, três motivos para enlouquecer!
E o tempo passou, nos endurecendo aqui, nos amolecendo ali, mudando as formas, reformando os modos, dando razões, responsabilidades, apagando alguns sonhos. Mas os olhos, esses, ainda são os mesmos.
Como se fossemos feitos a partir do olhar, de um mesmo olhar, e todo o resto acontece em volta.
E o mundo poderia ter dados todas as voltas, em volta, em cima ou embaixo de nós, ainda assim eu os reconheceria pelos olhos, pela codificação que carregamos em nossas pupilas... É como se o filme de nossas vidas passasse por completo no retroprojetor que só se projeta quando olhamos, os três, uns pros outros.