quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sobre a sonoridade da imensidão

Ela vem chegando assim, como quem nada quer, senta no sofá e fica invisível. É assim que tem que ser.
Eu passo por ela, uma, duas, dez vezes e nada vejo, não suo, não sofro, não penso. É assim que tem que ser.
Ela vem chegando, como quem nada quer, encosta seus lábios nos meus, fala baixinho e suave, eu não desabo, não contraio, não sinto nada. É assim que tem que ser.
Ela é invisível, e eu a faço desaparecer.
Minha memória está vazia, os vultos e os gemidos, tudo que eu posso lembrar.
Ela vem chegando, mais uma vez, como quem nada quer, eu abro meus olhos, abro-os pra ela e pra mim. Sinto a dor de tê-la deixado passar, sinto a cor do meu racismo, sinto o ardor da minha pele branca feito soda. Queimo sem saber que posso queimar.
Suas palavras dançam envolta de mim, logo as suas, logo você que disse tanto não saber dançar. Elas me envolvem, me derrubam, me levantam, e eu atordoada, não consigo mais sair. É um círculo viciante, uma ciranda, e eu não quero mais parar.
Ela me mostra tudo que eu fechei os olhos para não ver, sinto o cheiro, o sabor, o saber de todas as suas incríveis histórias: - como pude deixar você passar assim?
Sinto-me tóxica, altamente corrosiva, e ela assim, tão doce.
Dói! Ando por aí com minhas feridas abertas, me acostumei com elas aqui, acostumei com o sal na carne viva.
Ela vem chegando, eu a olho com desconfiança, eu sorrio com esperança, já não lembro pra onde eu estava indo antes d'ela chegar.
Ela vem chegando, eu vou me aconchegando, como quem nada quer. 
Eu não quero enxergar além, quero ficar por aqui, enxergando tudo que eu (quase) deixei passar.