segunda-feira, 27 de julho de 2015

Falta um pedaço da lua

Ela se engasgou com os gemidos que ficaram presos na garganta. O gozo vem, os gritos ficam. 
Enquanto ela contorce todo seu corpo pra tentar exorcizar tudo que esteve preso até então, ela vê a lua, lá no alto do céu, pela janela.
Está faltando um pedaço na lua, está faltando um pedaço de si. 
O manto jogado sobre o sofá absorve os fluidos que escorrem por suas coxas e os fluidos que escorrem por seu rosto , ambos tão rechonchudas.
É gozar e tossir, tossir e chorar, chorar e esquecer de tudo que seu corpo e sua alma expelem durante o orgasmo solitário.
As mãos agarram o que encontram pela frente; uma almofada, um tecido, uma pedaço de carne. As unhas arranham fundo, há uma agonia de querer-se agarrar, manter-se na superfície: um silencioso grito de socorro!
Ela perde-se entre a luz da lua e a luz da lâmpada velha no teto; falta um pedaço da lua, falta um pedaço da lâmpada, falta um pedaço de si, e a ausência escorre pelas pernas, pelos olhos, pelos dedos lambuzados. E ela escorre ralo a dentro, junto com a água do chuveiro no intuito de tentar se limpar. 
A sujeira mantem-se limpa,intacta, encrostada no chão do box, e ela desce pelos canos imundos, vai juntar-se aos seus, e volta inteira quando a lua já estiver cheia.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Inconveniência

Você fala da beleza do meu sorriso
E me perfura a alma com seus olhos.
Não escorro mais como antes
Há algo que me coagula agora.
Não faço mais desenhos
Tampouco escrevo bilhetes
Mantenho-me no fluxo acelerado
Da concretude que nos cerca.
Você fala sobre a solidão 
Bem mais do que sobre o amor
E enquanto meu coração pulsa devagar
Suas mãos se movimentam 
Com uma rapidez alucinante.
Conto à você sobre a angústia do passado
Você me pergunta se estou tranquila agora,
Tranquilidade não me cabe, seria estupidez
Angústia também não me cabe, seria suicídio
Mantenho os pés firmes no asfalto frio
E a cabeça, por vezes, seguro para não plainar.
Você fala sobre tantas coisas, e eu hipnotizada
Não posso mais me deixar por aí
Preciso de mim para lutar.
As paixões ainda me pegam pelas mãos
Antes,pelos cabelos e por isso não os tenho mais
Preciso de mim para voltar
A suavidade das suas mãos pequenas
Escondem a fortaleza de seus músculos
A solidão te salvará do isolamento
Mas eu preciso correr para o caos.
Você fala sobre a beleza do interior
E arrasta-me, pelos pés, para teu inferno
Encontro-me, trago-me de volta ao meio-dia
Não posso dançar ao som dessa melodia
Seria inconveniente me apaixonar
E o que posso ser, amando mulheres,
Além de uma grande inconveniência?



terça-feira, 21 de julho de 2015

As marginais

Adentrar a madrugada ao lado delas, sentir o peso das pálpebras e dormir no quase nascer do sol com um sorriso nos lábios, ao lado delas.
Ver o sol dividir o céu com a lua por detrás dos arranha-céus ao lado dela.
Falar sobre elas, sentir o arrepio na pele pelo toque delas, sentir a solidão ir embora, escorrendo pelos bueiros imundos da cidade dos homens. Não ter medo, sentir-se em casa, sorrir tranquila, ao lado delas.
Olhe fundo nos meus olhos, eu estou contigo. Estamos de mãos dadas, de dedos entrelaçados, no vão do mundo!
Eu entendo sua urgência, eu também a sinto pulsando por todo meu corpo. Eu entendo seu pedido de socorro, o suor nas mãos, a solidão também me corroe, me corrompe.
Não é mais preciso se esconder quando estamos juntas, podemos soltar todo o grito contido, podemos expor nossas feridas e cuidar delas, eu da sua, você da minha, ela da sua, eu da dela, eu da minha, você da sua, ela da dela...
Não estamos felizes juntas, felicidade não cabe quando se carrega nas costas o peso da violência de toda uma vida, estamos seguras e fortalecidas, estamos conectadas, e dividir o peso pode ser razão de mais um dia viva.
Eu estive com elas, estive com as dores delas, estive inebriada pela beleza delas, pelos corpos que sangram, pelas almas que sangram, pelos olhos que sangram.
Eu sou elas, das mãos grandes, das mãos pequenas, do corpo miúdo, do corpo alongado, dos cabelos curtos, dos cabelos longos, dos não-cabelos, da luta!
Lésbicas, elas são as lésbicas, eu sou a lésbica, somos essa palavra que não se diz, somos a solidão, as marginais, a sapatão!
E é com elas que eu quero estar, é por elas que eu quero estar.
Me dê sua mão, se você cair eu te ergo! ( assim como vocês me ergueram ontem)

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Tóxica

Nós fomos um brilho no escuro, como uma estrela. Viemos como um dilúvio e derrubamos tudo pela frente, nossos beijos atravessaram os acordes da guitarra.
Estou cansada de falar sobre nós como se não estivéssemos aqui, como se eu não estivesse olhando fundo nos teus olhos e sentindo meu corpo estremecer.
Eu desejei tanto ir embora, acho que ainda desejo, aqui, no profundo obscuro do meu coração.
Hoje eu reconheço suas mentiras e elas não são piores do que as minhas, eu sei que elas eram tudo que você tinha.
Sei daquela sua solidão melancólica, sei da minha solidão efusiva, e escolhemos viver juntas nossas solidões.Mesmo com toda a dor mantivemos aquecidos nossos corações.
Nós tivemos um plano em nossas mentes: cabelos ao vento, pé na estradas, Janis ou Marchall , quem sabe até Gessinger, nos fones de ouvido divido. Não duvido que desenhamos o cigarro entre os dedos, sempre achei suicidamente lindo vê-la soltar a fumaça em formas circulares dos lábios avermelhados. 
Eu e meus vestidos floridos, você e sua calça rasgada, meus lábios vermelhos, seus grandes olhos esfumaçados. Você me salvou, eu te salvei! E com a mesma força nós destruímos, pouco a pouco, o muito que tivemos.
Nós fomos um rompante, uma roleta-russa de sentimentos, acertamo-nos nos pés e no coração. 
O fogo queima o peito, faz arder todos os órgãos do tronco, paralisa os braços. A bala continua alojada, não podemos extraí-la, tirá-la nos mataria. 
Nos restou correr, e assim o fizemos, corremos muito. Primeiro você, correu de angústia. Depois eu, corri pra te pedir pra ficar. Ainda sinto-me ofegante, você sabe, nunca foi meu forte exercitar-me.
Sentei ao meio fio, no frio cinzento do asfalto, e chorei por dias incalculáveis. Eu só queria voltar pra casa, meu bem. Eu só queria que você viesse me buscar, que me deixasse afagar seus cabelos enquanto o sono não vem. Acordar depois de um sonho ruim e sentir o calor da sua respiração.
Não dormi, tão pouco acordei. Você não veio me buscar, não voltaria mais, eu sei. Levantei e segui, contaminada pelo cinza, pela fuligem, pela dureza de caminhar com minhas próprias pernas gordas.
Caminhei, lenta e perdida, errei o caminho, voltei. Caminhei, caí, levantei, chorei, pedi por todos os santos que você voltasse. Caminhei, me pintei, me lavei, me tirei de mim, me devolvi à mim e chorei.
Não é seguro estar contigo, tanto quanto não é seguro estar viva. Você é tóxica, meu amor, tanto quanto eu e o resto do mundo.
Parte de aceitar quem sou é aceitar nosso amor, porque te amei como quem enfurece, rasguei minha pele, não preciso esconder minha fúria agora. Você não precisa mais se esconder, querida. Estamos juntas,de alguma forma, no inferno.
Contamine-se com a doçura fatal de nossos sorrisos fundidos e em silêncio assassine tudo que te faça ter dúvidas de que você é capaz de lutar.
Se nosso amor é caustico é porque caustificaram-nos, não precisamos nos curar, o sal do suor na carne viva o fará por nós, o que precisamos é matá-los!

terça-feira, 7 de julho de 2015

Carta dos 29 anos.

Os anos passam, um a um, e em pouco tempo tornam se muitos. A verdade é que poucas vezes tomamos ciência de que estamos onde deveríamos estar. Parece sempre tão pouco, e o pouco que ainda resta parece difícil de aguentar.
Eu consigo entender sua angústia. As águas calmas machucam e as águas turbulentas ainda mais. Há um desajuste, uma desconformidade. Nada me tira da cabeça que o que nos dói é estarmos presas num corpo,  entre esses músculos, essa carne, esses ossos. Sinto sempre que a explosão está próxima, mas ela nunca vem.
Queria manter a formalidade social e te desejar um feliz aniversário, um novo ciclo cheio de sorrisos sinceros e menos dores, e sim, eu realmente desejo todas essas coisas mas eu sei que a paz não te cabe. Na real paz é tão medíocre.
Te desejo boas doses de inconformismo, outras tantas de força,  paciência consigo mesma, confie mais nos gritos da tua alma, mesmo que esses pareçam histéricos! Não se isole tanto também, há uma porção de mulheres precisando dessa conexão que você é tão capaz de prover.
Envolta pela sonoridade desconcertante de Cat Power eu te confesso que minhas palavras não expressam metada do que meu corpo queria lhe dizer. Há ligações que só um corpo suado colado a outro é capaz de fazer.
As memórias, as vontades, elas estão aqui, vividas, esperando o dia que você vai voltar.
( mesmo que não volte, de nada me custa esperar).
Há um mundo potencial que nos espera pra desbravar. E por mais que tenham nos feito acreditar que não, eu te juro amor, que ele existe.
Trocar a pele dói,  queima, destrói uma porção de certezas absolutas, mas leva embora a submissão, a fraqueza, a solidão. Estar em meio a multidão é a solidão em sua forma mais cruel. Hoje eu tenho você, tenho a mim e uma porção de outras mulheres que estão de braços erguidos curando suas dores,  e estar por você, por mim e por elas é a completude em sua forma mais concreta.
Não te desejo felicidade, seria hipócrita demais, mas grava em teu coração: eu estou aqui, segurando firme a tua mão,  se você cair, eu te ergo!
Com amor, Rafaela.

calmaria

a distância que você tomou me fere
não estive em paz com o que fizeste de nós
ficou um vácuo, um silêncio e águas límpidas.
vejo o tempo passar, o relógio nunca está ao meu favor
estou congelando na superfície
mas o meu coração pulsa em brasa
está tudo tão calmo, pé por pé, caminho rumo ao nada
dez minutos, é tudo o que tenho, o resto me escorre
os minutos estão derretendo, um a um
essa pausa me angustia mais do que seu olhar inseguro
penso em você, escrevo pra você, sinto por você
e não há nenhuma complexidade nisso, é só saudade.
eu continuo o movimento, te observo de longe
enquanto você descreve suas peripécias, e eu sorrio
a distância que você tomou 
não me desce sem dois dedos de vodca
eu estou simples,solta, sincronizada,
ando, ando, ando, ando, para o nada.