quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Dos sonhos que vivi

Sonhei contigo mais uma vez, estive tão inebriada que pouco sei do quanto era sonho de tudo que vi e senti.
Emudeci, como quem perde as palavras, como quem não sabe mais como dar sons à elas.
Saí de mim como quem sai de um café-bar depois de uma discussão fervorosa: sem olhar pra trás.
Ainda não me adaptei a esse mundo, sinto que estou mais aí do que aqui. Não quero ficar!
Não acho que você vá voltar ou olhar pra trás. Passei! Como uma névoa, como uma breve ventania que apenas bagunça seus cabelos, você fecha os olhos, os arruma novamente e caminha adiante... Como tem que ser!
Não acho que poderia ser diferente, minha imaginação faz muito mais por nós do que nós mesmas, e assim sigo, com esse dom suicida de fazer tudo reluzir mais do que deveria.
Enxerguei além do que seus olhos permitiram que eu visse, e colori com tinta a dedo as paisagens de todas as viagens que eu imagino que você fez.
A primavera aqui não tem o mesmo cheiro que aí e assim andaremos pela linha de nossos destinos, você aí e eu aqui...Como tem que ser!
Posso sentir minha pele arrepiar quando ouço você falar do frio que já experimentou, não senti o frio fora dos trópicos, sou inteira tropical, sinto o gosto do calor e tenho uma afinidade gustativa dos fluidos corporais que acentuam-se do lado de cá da linha imaginária.
Estou espalhada em tantas partículas e não consigo organizar de forma adequada meus pensamentos , sou o mais inadequada que eu poderia ser e mantenho-me quieta, calada. Minhas palavras concentram-se nas pontas dos dedos, e eles saltitam de lá pra cá, de cá pra lá, a procura da codificação que possa expressar o grito preso na garganta.
Encontro-me rompida, fios energizados desencapados e um coração em chamas, minhas mãos estão brandas, e meus olhos inquietos. 
Intuitiva! Crua! 
Oscilo entre a simplicidade da carne e a complexidade da alma.
Hora deixo-a de lado, sigo do lado direito da escada, dou-me as mãos. 
Não me esquecerei tão facilmente das vibrações e irregularidades dos seus sons.
Talvez eu não esqueça nunca do quanto estive ilhada ao deixar-me afundar no oceano escuro dos seus olhos. 
Direito ou esquerdo, tanto faz. 
Senti entrar, sentar e ficar. 
Como que vem depois de uma longa caminhada e pode agora respirar, descansar.

sábado, 24 de janeiro de 2015

A falta de cabelos e o gostinho da liberdade.

Há mais ou menos quatro meses eu raspei meus cabelos pela primeira vez. Desde então venho passando por uma série de reações alheias, desde elogios até mal agouros. O que eu venho tentando entender é como um ato tão simples pode causar tanto incomodo ou comoção.
A verdade é que dentro de mim esse ato não foi simples e tão pouco será (mesmo eu tentando me convencer disso) diante da realidade em que nos cerca.
Ter cabelos curtos ( ou não tê-los) é uma afronta aos homens e um atestado de homossexualidade. Se a falta das madeixas vier seguida de "excesso" de pelos nas outras partes do corpo  e uma tatuagem, que mais parece um rabisco feito de sangue no centro do peito, com o temido símbolo do feminismo aí sim espere o pior das andanças pela rua.
Marquei-me para que eu não me deixasse esquecer dos meus ideais mesmo depois de sofrer ofensas e insultos, para que quando eu amamentar meus filhos eles tenham desde seus primeiros dias de vida esse símbolo como algo familiar e aconchegante, para que meu cheiro e o cheiro do meu leite traga-lhes a conscientização de que não é fácil ser mulher. É preciso resistência, dia-a-dia.
Meus pelos ainda posso optar por tê-los ou não, e tenho optado ( em sua maioria) por tê-los em meu corpo do jeito que são, sem alterações. Porém evito expô-los, evito levantar meus braços no transporte público caso eu esteja de regata, e desde que não raspo meus pelos pubianos e das coxas não transo ou vou à praia sem shorts.
Sobre os pelos do rosto e das pernas eu ainda os tiro. Não assumo meu bigode ou minha sobrancelha a la Frida Khalo ( e olha que eu admiro-a imensamente).
É assustador o quão difícil é manter-me como sou : peluda.
Há pouco dias atrás ouvi da minha mãe : " Isso está horrível, Rafaela!" Meu mundo caiu! O drama de Maysa nunca fez tanto sentido. Mas mantive-me firme e expliquei racionalmente à ela tudo que aquilo significava, e que pensamentos como esse faziam com que a filha dela sofresse diariamente o risco de ser estuprada ( por ser mulher e esteriotipada como lésbica) , espancada, hostilizada e , porque não, morta.
Acho que ela entendeu e em poucos minutos estávamos conversando sobre como a juventude dela foi cercada de preconceitos por ela ser mais "masculinizada" do que a maioria das meninas. 
Não tenho dúvidas do quanto minha mãe sofreu, e assim como ela a minha avó e sua avó mais do que a minha, que era negra.
Por todos esses motivos citados a cima não posso ignorar que potencialmente eu sofri e minhas ancestrais sofreram pelo simples e complexo fato de sermos mulheres.
E eu preciso dizer à ela que não quero ignorar isso!
Um ex affair perguntou esses dias ao cruzar comigo no metrô se eu estava querendo ser como a Thammy Gretchen. Acho que ele quis saber sobre desconstrução de gênero e etc. Segurei-me para não cuspir-lhe na cara, mantive o olhar firme e disse à ele que eu ( pelo menos até agora) identifico-me como mulher mas que não haveria problema caso não fosse assim.
Apesar de não ter muita certeza do quanto isso pode ser irracional e problemático eu tive nojo de ter um dia me envolvido com homens.
É nessa parte que eu escuto coisas como : " É lésbica por ter tido traumas com homens!"
Pois bem, tive traumas sim( descobertos após uma dura conscientização feminista). Mas quantas mulheres não tiveram? 
Ainda estou em um processo de conscientização e procuro não fazer afirmações muito polêmicas em relação a minha relação com os homens do mundo ( dentre eles meu pai e meu irmão), mas de uma coisa eu tenho certeza : Não sinto-me segura perto de homens como antes. Não sinto-me desprovida de questionamentos profundos e tenho tido experiencias muito mais valiosas com mulheres do que tive minha vida toda.
Meu sexo e minha sexualidade que sempre foi altamente flexível, hoje, é firme e responsável : Não me relacionarei com ninguém que eu não me sinta segura e acolhida!
E tenho muito mais colo e carinho para mim mesma do que tive toda a minha vida.
Hoje, relaciono-me, da forma mais liberta que eu conseguir, apenas com mulheres e encontro-me na incrível missão de não competir e não incentivar nenhum tipo de disputa entre mim e as outras mulheres que se relacionam com que eu me relacionar.
Difícil missão! Garanto-lhes!
Esse tema é altamente explosivo por caminhar lado-a-lado com auto-estima, esta que nos é minada desde que nascemos.
Um apanhado de problematizações vão complicar suas vidas de forma jamais vista, minhas queridas. Porém há um libertação que hoje eu posso experimentar levemente e que nem um pulo de para-quedas faria-me sentir, e tenho certo que este é apenas o começo!





sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

As bruxas e a bolha

Aos sete anos de idade eu tinha muito medo de bruxas,não muito diferente de outras crianças dessa idade. Fui uma criança muito medrosa e bruxas me aterrorizaram por muito tempo.
As bruxas são feias, são fedorentas, tem cabelos armados e nariz grande, ah, e não podemos esquecer da risada : uma risada escandalosa e incômoda.
Hoje, aos vinte e quatro, muitos meses e reflexões sei o quanto fui enganada e direcionada a ser quem eu sou  deveria ter sido.
Para que possam entender onde quero chegar preciso contar-lhes sobre a bolha em que estive imersa na última semana:
Passei cinco dias em um curso de imersão com mais quase quarenta mulheres em um lugar cercado de arvores, bichos, terra,vinho,fogo e crias. Mal sabia eu a poção que estávamos preparando ao juntar esses ingredientes poderosos.
Foram cinco dias de descobertas, de revelações, de lágrimas e muitas gargalhadas. Havia uma magia no ar, e a tal sororidade fez-se presente sem que nenhuma teoria-academicista-feminista fosse necessária.
Algumas de nós estavam realmente bem machucadas, com feridas abertas e em carne viva, outras ainda se recuperando de cicatrizes mal cicatrizadas, e mais outras que mal sabiam os machucados que estavam escondidos. A verdade é que a imersão emergiu e transbordou e todas fomos cuidadas e amparadas de alguma forma.
Descobrimos nossas dores e lágrimas, aquelas que não choramos no passado por pressão de nos mantermos fortes. 
Descobrimos também nosso sexo, aquele que passamos uma vida inteira ouvindo ser sujo,pecaminoso e violável. Tocamo-nos, sem medo, sem poder e sem pudor. Deixamos ser, deixamos fluir e gostamos.
Descobrimos que as mulheres são diferentes em seus formatos, em seus cheiros, em seus gostos e que somos todas muito complexas e lindas. 
Sim! O clichê feminista fez-se real : Somos todas lindas!
Admiramo-nos: nossa força, nossas fraquezas, nossas curiosidades, e nosso poder de maternar não só as crias mas a nós mesmas e as outras.
Olhamos fundo nos olhos uma das outras e nos abraçamos em volta de uma fogueira. Queimamos nossas dores e trocamos nossas peles como cobras, que não são animais ardilosos!

Conectamo-nos com a mãe-terra, conectamo-nos umas com as outras e criamos uma rede, uma bolha. Eis que a bolha se formou sem que nos esforçássemos para tal. Ela simplesmente se formou.
Eu, particularmente, pude então perder meu medo de bruxas de uma vez por todas.
Descobri que nós somos todas bruxas e que por isso aprendemos a ter medo delas. É perigoso que descubramos nossas forças e nosso poder de união, podemos destruir e construir um universo inteiro.
Vi e senti mulheres com narizes de todos os formatos, mulheres que suam e exalam cheiros fortes, mulheres que tem pelos por todo o corpo, mulheres com cabelos esvoaçantes, mulheres com gargalhadas estridentes, altas, que ecoam! E precisamos rir! Precisamos rir histericamente para liberar essa energia atravancada, podada, encarcerada.
Somos nós aquelas bruxas: Somos nós essas bruxas!
Somos as netas das bruxas queimadas nas fogueiras da inquisição, somos as herdeiras do poder de criação, somos altamente capazes de ter empatia, somos extremamente fortes e delicadas.
E antes que eu me esqueça : somos gordas e magras,temos fluidos corporais, ciclos menstruais, uma ligação fortíssima com os ciclos lunares, pelos por toda parte e uma linda e magnifica vagina. 
Todas temos vagina, e essa parte do nosso corpo é nosso caldeirão de poções magicas!
Nossa vagina e nosso útero são capazes de concentrar e gestar um fluxo intenso de energia - o mais intenso que qualquer ser humano pode produzir : uma vida! - e temos milhões de ramificações nervosas que nos permite ter prazeres transcendentais!
Só nós temos um órgão feito exclusivamente para sentir prazer : o clitóris.
E após descobrirmos tantas coisas não podemos, minhas irmãs, deixar que isso se perca. Precisamos nos manter conectadas porque o fluxo da "vida real" ( vida patriarcal) quer nos tirar toda essa força e nos fazer novamente sentir medo das bruxas.
E se voltarmos a ter medo das bruxas, queridas, teremos medo de nós mesmas! E nos queimaremos, pouco a pouco, sem que percebamos que o estamos fazendo.




quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O reflexo da Lua.

Tocamo-nos em nossas extremidades, caladas.
Ainda sinto o estremecer da minh'alma ao fundir meus olhos aos teus.
Meus poros abertos, minhas mãos úmidas, meu choro contido.
Estive nua, em carne viva, e queimaram-me as inúmeras gotas de suor.
Fluidifiquei-me.
Escorri-me por minhas próprias pernas numa mistura de medo e prazer.
Perdi-me no teu oceano, no fundo hipnótico dos teus olhos, perdi-me na acidez do teu protesto, na maciez da tua pele, dos teus pelos.
Ainda estou tentando resgatar-me, juntar as partículas.
(Inebriada)
Solidifico-me aos pouco ao voltar à selva de pedras.
Os meus  olhos continuam cerrados, os lábios molhados, os pés gelados, e as tuas histórias, codificadas, em cada pedacinho do teu corpo.
Há tanto aí que não há aqui, tantos encantos.
Sustento a efemeridade como auto proteção e no entanto tenho certo que a porta que abri escancarou tudo que passei uma vida tentando esconder.
Olho para o céu fixamente!
(Perco-me)
Essa noite eu quero a melodia suicida das sereias.

Mergulhei no profundo oceano encantada pelo reflexo da Lua.
E eu não sei nadar, meu bem.