sábado, 24 de janeiro de 2015

A falta de cabelos e o gostinho da liberdade.

Há mais ou menos quatro meses eu raspei meus cabelos pela primeira vez. Desde então venho passando por uma série de reações alheias, desde elogios até mal agouros. O que eu venho tentando entender é como um ato tão simples pode causar tanto incomodo ou comoção.
A verdade é que dentro de mim esse ato não foi simples e tão pouco será (mesmo eu tentando me convencer disso) diante da realidade em que nos cerca.
Ter cabelos curtos ( ou não tê-los) é uma afronta aos homens e um atestado de homossexualidade. Se a falta das madeixas vier seguida de "excesso" de pelos nas outras partes do corpo  e uma tatuagem, que mais parece um rabisco feito de sangue no centro do peito, com o temido símbolo do feminismo aí sim espere o pior das andanças pela rua.
Marquei-me para que eu não me deixasse esquecer dos meus ideais mesmo depois de sofrer ofensas e insultos, para que quando eu amamentar meus filhos eles tenham desde seus primeiros dias de vida esse símbolo como algo familiar e aconchegante, para que meu cheiro e o cheiro do meu leite traga-lhes a conscientização de que não é fácil ser mulher. É preciso resistência, dia-a-dia.
Meus pelos ainda posso optar por tê-los ou não, e tenho optado ( em sua maioria) por tê-los em meu corpo do jeito que são, sem alterações. Porém evito expô-los, evito levantar meus braços no transporte público caso eu esteja de regata, e desde que não raspo meus pelos pubianos e das coxas não transo ou vou à praia sem shorts.
Sobre os pelos do rosto e das pernas eu ainda os tiro. Não assumo meu bigode ou minha sobrancelha a la Frida Khalo ( e olha que eu admiro-a imensamente).
É assustador o quão difícil é manter-me como sou : peluda.
Há pouco dias atrás ouvi da minha mãe : " Isso está horrível, Rafaela!" Meu mundo caiu! O drama de Maysa nunca fez tanto sentido. Mas mantive-me firme e expliquei racionalmente à ela tudo que aquilo significava, e que pensamentos como esse faziam com que a filha dela sofresse diariamente o risco de ser estuprada ( por ser mulher e esteriotipada como lésbica) , espancada, hostilizada e , porque não, morta.
Acho que ela entendeu e em poucos minutos estávamos conversando sobre como a juventude dela foi cercada de preconceitos por ela ser mais "masculinizada" do que a maioria das meninas. 
Não tenho dúvidas do quanto minha mãe sofreu, e assim como ela a minha avó e sua avó mais do que a minha, que era negra.
Por todos esses motivos citados a cima não posso ignorar que potencialmente eu sofri e minhas ancestrais sofreram pelo simples e complexo fato de sermos mulheres.
E eu preciso dizer à ela que não quero ignorar isso!
Um ex affair perguntou esses dias ao cruzar comigo no metrô se eu estava querendo ser como a Thammy Gretchen. Acho que ele quis saber sobre desconstrução de gênero e etc. Segurei-me para não cuspir-lhe na cara, mantive o olhar firme e disse à ele que eu ( pelo menos até agora) identifico-me como mulher mas que não haveria problema caso não fosse assim.
Apesar de não ter muita certeza do quanto isso pode ser irracional e problemático eu tive nojo de ter um dia me envolvido com homens.
É nessa parte que eu escuto coisas como : " É lésbica por ter tido traumas com homens!"
Pois bem, tive traumas sim( descobertos após uma dura conscientização feminista). Mas quantas mulheres não tiveram? 
Ainda estou em um processo de conscientização e procuro não fazer afirmações muito polêmicas em relação a minha relação com os homens do mundo ( dentre eles meu pai e meu irmão), mas de uma coisa eu tenho certeza : Não sinto-me segura perto de homens como antes. Não sinto-me desprovida de questionamentos profundos e tenho tido experiencias muito mais valiosas com mulheres do que tive minha vida toda.
Meu sexo e minha sexualidade que sempre foi altamente flexível, hoje, é firme e responsável : Não me relacionarei com ninguém que eu não me sinta segura e acolhida!
E tenho muito mais colo e carinho para mim mesma do que tive toda a minha vida.
Hoje, relaciono-me, da forma mais liberta que eu conseguir, apenas com mulheres e encontro-me na incrível missão de não competir e não incentivar nenhum tipo de disputa entre mim e as outras mulheres que se relacionam com que eu me relacionar.
Difícil missão! Garanto-lhes!
Esse tema é altamente explosivo por caminhar lado-a-lado com auto-estima, esta que nos é minada desde que nascemos.
Um apanhado de problematizações vão complicar suas vidas de forma jamais vista, minhas queridas. Porém há um libertação que hoje eu posso experimentar levemente e que nem um pulo de para-quedas faria-me sentir, e tenho certo que este é apenas o começo!





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