A verdade é que dentro de mim esse ato não foi simples e tão pouco será (mesmo eu tentando me convencer disso) diante da realidade em que nos cerca.
Ter cabelos curtos ( ou não tê-los) é uma afronta aos homens e um atestado de homossexualidade. Se a falta das madeixas vier seguida de "excesso" de pelos nas outras partes do corpo e uma tatuagem, que mais parece um rabisco feito de sangue no centro do peito, com o temido símbolo do feminismo aí sim espere o pior das andanças pela rua.
Marquei-me para que eu não me deixasse esquecer dos meus ideais mesmo depois de sofrer ofensas e insultos, para que quando eu amamentar meus filhos eles tenham desde seus primeiros dias de vida esse símbolo como algo familiar e aconchegante, para que meu cheiro e o cheiro do meu leite traga-lhes a conscientização de que não é fácil ser mulher. É preciso resistência, dia-a-dia.
Meus pelos ainda posso optar por tê-los ou não, e tenho optado ( em sua maioria) por tê-los em meu corpo do jeito que são, sem alterações. Porém evito expô-los, evito levantar meus braços no transporte público caso eu esteja de regata, e desde que não raspo meus pelos pubianos e das coxas não transo ou vou à praia sem shorts.
Sobre os pelos do rosto e das pernas eu ainda os tiro. Não assumo meu bigode ou minha sobrancelha a la Frida Khalo ( e olha que eu admiro-a imensamente).
É assustador o quão difícil é manter-me como sou : peluda.
Há pouco dias atrás ouvi da minha mãe : " Isso está horrível, Rafaela!" Meu mundo caiu! O drama de Maysa nunca fez tanto sentido. Mas mantive-me firme e expliquei racionalmente à ela tudo que aquilo significava, e que pensamentos como esse faziam com que a filha dela sofresse diariamente o risco de ser estuprada ( por ser mulher e esteriotipada como lésbica) , espancada, hostilizada e , porque não, morta.
Acho que ela entendeu e em poucos minutos estávamos conversando sobre como a juventude dela foi cercada de preconceitos por ela ser mais "masculinizada" do que a maioria das meninas.
Não tenho dúvidas do quanto minha mãe sofreu, e assim como ela a minha avó e sua avó mais do que a minha, que era negra.
Por todos esses motivos citados a cima não posso ignorar que potencialmente eu sofri e minhas ancestrais sofreram pelo simples e complexo fato de sermos mulheres.
E eu preciso dizer à ela que não quero ignorar isso!
Um ex affair perguntou esses dias ao cruzar comigo no metrô se eu estava querendo ser como a Thammy Gretchen. Acho que ele quis saber sobre desconstrução de gênero e etc. Segurei-me para não cuspir-lhe na cara, mantive o olhar firme e disse à ele que eu ( pelo menos até agora) identifico-me como mulher mas que não haveria problema caso não fosse assim.
Apesar de não ter muita certeza do quanto isso pode ser irracional e problemático eu tive nojo de ter um dia me envolvido com homens.
É nessa parte que eu escuto coisas como : " É lésbica por ter tido traumas com homens!"
Pois bem, tive traumas sim( descobertos após uma dura conscientização feminista). Mas quantas mulheres não tiveram?
Ainda estou em um processo de conscientização e procuro não fazer afirmações muito polêmicas em relação a minha relação com os homens do mundo ( dentre eles meu pai e meu irmão), mas de uma coisa eu tenho certeza : Não sinto-me segura perto de homens como antes. Não sinto-me desprovida de questionamentos profundos e tenho tido experiencias muito mais valiosas com mulheres do que tive minha vida toda.
Meu sexo e minha sexualidade que sempre foi altamente flexível, hoje, é firme e responsável : Não me relacionarei com ninguém que eu não me sinta segura e acolhida!
E tenho muito mais colo e carinho para mim mesma do que tive toda a minha vida.
Hoje, relaciono-me, da forma mais liberta que eu conseguir, apenas com mulheres e encontro-me na incrível missão de não competir e não incentivar nenhum tipo de disputa entre mim e as outras mulheres que se relacionam com que eu me relacionar.
Difícil missão! Garanto-lhes!
Esse tema é altamente explosivo por caminhar lado-a-lado com auto-estima, esta que nos é minada desde que nascemos.
Um apanhado de problematizações vão complicar suas vidas de forma jamais vista, minhas queridas. Porém há um libertação que hoje eu posso experimentar levemente e que nem um pulo de para-quedas faria-me sentir, e tenho certo que este é apenas o começo!
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