terça-feira, 2 de junho de 2015

Querida destinatária,


Já está tão tão tarde, amanhã eu tenho que acordar muito cedo, no frio, no desconforto do transporte público sem os fones de ouvido que me transportam daqui. Mas mesmo com tudo isso, eu preciso escrever, preciso lhe contar tudo que tem se passado por aqui. Tem um pouco de tudo, um pouco do todo. E eu sei que você vai ler, eu sei que de alguma forma chegarei à você.
Eu estou triste hoje, uma tristeza apática, solitária, úmida como o tempo lá fora. Eu estou úmida dentro de mim. Não há desespero, juro que não há. Há um conformismo triste, um tempo, um espaço, um vazio, uma análise, talvez alguns julgamentos.
Há também desde o último dia em que nos vimos as lembranças amargas de um passado violento que eu havia esquecido e que talvez pudessem ter ficado por lá. Estou um caos, colossal.
Posso tocar, sentir a textura do meu medo, a angústia me tomando o corpo, minhas mãos suadas e o olhar fixo ao nada. Eu tinha apenas doze anos e só hoje, doze depois, posso rememorar essa lembrança. E ela está aqui, vagando, flutuando, e eu não sei o que fazer com ela. Ela não pode ficar, e eu não sei como tirá-la de mim. Todo esse tempo eu estava tão protegida e agora me sinto tão solta no ar, tão sem parâmetro, violada, remexida, solitária...Eu tinha apenas doze anos e me crucifiquei como gente grande.
Hoje eu tentei falar contigo, um oi calado, escondendo um tom de voz rouco, corroído. Algo em você me dá vontade de estar por perto. Não acho que me queira por perto.
Estou contaminada hoje, me desculpe. Hoje me parece incoerente que eu possa ser agradável à alguém, mas eu sei que é distorção. Eu sei que passa, eu sei que passa.
Já está tão tarde, querida, e eu estou cansada dos jogos emocionais, estou tão crua, tão nua, não me atrai a possibilidade da performance, não me é seguro ter que me proteger, estou aberta, escancarada, visceral. 
Não quero ter medo de desagradar, não pode haver essa ponte entre mim e o mundo. Sou isso e tão isso. Uma mistura de tantas coisas que não seria justo tentar ser uma coisa só. Sou um emaranhado, um monte de fios embolados, de todas as cores, de todos os gostos e cheiros.
Estou em exposição, na vitrine, sem sorrisos, sem bons modos, sem belezas. Estou em pelos, em pele flácida, com espinhas na cara, com um furo bizarro na boca, nariz congestionado, boceta peluda, veias azuladas percorrendo meus braços cansados, estou por de trás dos meus olhos castanhos. Estou aqui, quietinha.

Não estou esperando nada, honestamente, nunca esperei. Te (re)conheci por um acaso tão grande na estação do metrô e você me fez sorrir tão verdadeiramente que eu apenas quis repetir doses dessa sensação. E aí depois você me fez sorrir mais ao ver o seu sorriso lindo, e me derreti por sua doçura, e depois pela textura macia de seus lábios, pela leveza que você traz, mesmo que escondendo uma profundidade obscura (e eu sei que há). Você me deixa desconcertada com as coisas que escreve porque me toca, sempre toca em algum ponto. Então, na mistura de todas essas coisas eu me deixei levar pelo fluxo magnético.
Eu sei a hora de recuar, eu sempre sei. Nós sempre sabemos. E na verdade, eu nunca quis dar passos além do delimitado, tenho prezado muito por preservar o respeito entre mim e as mulheres com que me relaciono (em qualquer âmbito), essa preservação traz algumas incertezas de como agir, até porque eu nunca me importei se eu estava ferindo ou não alguém. Eu já fui imensamente irresponsável. Não quero mais ser assim com ninguém, tão pouco comigo.
É verdade, eu tenho uma tendência absurda ao imaginário, tenho uma imaginação fértil e insana. Há um intensidade brusca em tudo que eu faço e sinto, e as vezes eu sinto como se eu vivesse em clipes musicais, ou em filmes melodramáticos. Não fico lutando contra isso, tenho medo de esfriar, ainda me prefiro bizarra e dramática do que petrificada, eu tenho uma tendência a crueldade.
Eu só queria te contar que foi importante te conhecer e te ter por perto, e que gostaria muito de ter uma amiga como você. Assim, simples assim, confortável assim.
E eu ainda gostaria muito de abraçar aquele moletom fofinho com você dentro. Um abraço de coração com coração, simples assim, magnifico assim.
Preciso ir. O relógio já marca mais de uma da manhã e meus olhos estão fechando.
Talvez amanhã eu me envergonhe de ter me exposto, de ter sido isso, sem meias palavras, sem meias vontades, talvez amanhã...mas é só talvez e é só amanhã...Deixa pra amanhã.
Com carinho,
Rafaela Rosa.

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