[ jovens criaturas ]

A gente corre contra o tempo, e a gente faz de tudo pra entender trigonometria.
Não há um lugar guardado pra gente, eles estão lá, basta apenas lutar por eles.
A tevê continua na sala, iluminando todos os rostos manipulados.A crise aérea está tomando conta de nossas cabeças, mas então, como lembrar do trypanossoma crusi?
Mandaram tirar das ruas os outdoors, e agora uma guria que estuda na mesma escola que eu ganha bolsa família, alguns reais por mês .Eu nunca tinha visto um sorriso estampado em sua face áspera, mas agora, veja só você, ela sorri , pelo menos uma vez no mês. Disseram-me também que a avó da minha vizinha conseguiu fazer uma cirurgia na pupila em um hospital público, tudo bem que isso ocorreu depois de oito meses na fila de espera, e pode ser que  agora, se ela der sorte de conseguir fazer uma segunda antes de um ano,que ela não fique cega.
A gente corre contra o tempo, e ninguém vê, é que ainda somos poucos, ainda hoje os jovens que convivem conosco cinco horas por dia, riem do nosso desespero.
Alguns deles disseram-me que agora vai ficar mais fácil passar de ano , é que as notas serão arredondadas para um número acima, mesmo que isso não seja merecido.Eles estão tão felizes.
Alguns deles usam drogas na escola, outros, ou até os mesmo, ameaçam professores.Mas só os ameaçam quando os temos em sala de aula. É que é freqüente não termos aulas.
O tempo passa, o relógio não pára! Ah! Se eu pudesse fazê-lo parar!Se eu pudesse marcar o “x” na questão certa.Se eu pudesse contar a eles que eles fazem parte desse mundo tanto quanto esse mundo faz parte deles.Se eles conseguissem me ouvir, eu diria que há uma fantasia aliciadora por trás das “telinhas”, e que há um homem gritando poder, comendo poder,dormindo poder e rindo poder, enquanto milhões de crianças morrem de fome, enquanto pessoas morrem sem nem saber o por que .Se eles me escutassem eu diria a eles que vale a pena lutar , que vale á pena abrir os olhos.
E eu vi, na esquina da avenida paulista,um senhor, ele tinha os olhos úmidos e as mãos secas,ele tinha um sorriso sem graça e muita fome.Eu pude vê-lo comer os restos de alimentos que compunham aquela calçada.Eu e meus companheiros gritávamos por justiça,nós gritávamos por um lugar na escada,nós lutávamos por igualdade, e ele sabia que gritávamos o que suas mandíbulas não aguentavam gritar, por que a fome enrouquece, e enlouquece.
Os ônibus estavam lotados.Nenhum olhar pedinte,nenhum olhar revoltado.Eu vi senhoras e senhores,jovens meninos e meninas, de cabeças baixas, desejando que a gente desocupasse logo o trânsito.E olha só, era tudo que a gente queria, transito não se forma naquelas ruas, há tanto acima disso, há tantos dedos.
E aí então, voltar pra casa.Lavar o rosto pintado, limpar a alma entupida de revolta, e ao amanhecer saber que estamos num começo.
As tevês estão ligadas, eu vejo pela janela do prédio.Todos eles vão sonhar, todos eles vão sorrir, e abaixar a cabeça.