quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Dos dezenove aos aos vinte e tantos

Eu conheci uma garota, e ela passou por mim algumas vezes, como uma brisa, leve e quase imperceptível.
A verdade é que mesmo vendo-a, quietinha, por perto, eu não quis olhar.
Mas ela veio pra mais perto, e quando assim se aproximou eu preferi olhá-la com olhos maternos, com olhos de quem acolhe - por subestimação.
Sim, eu tenho ainda muitas armadilhas no percurso entre o que eu sinto e o que eu digo.
Eu a acolhi, e ela me beijou.
Eu emudeci. Calei com a boca úmida, com as mãos trêmulas e o coração machucado.
Ela, no auge dos seus dezenove anos fez-me encarar os meus fajutos vinte e quatro.
Ainda encontro-me (quando encontro) tão despedaçada, tão frágil, como uma boneca de porcelana.
Ela disse, por mais de uma vez, admirar a minha força. E quando olho no espelho eu procuro essa força para além dos cabelos raspados.
Seu sorriso é um sorriso de esperança, o sorriso de quem ainda crê. Esse sorriso me assusta, é cru.
Cigarro entre os dedos, e na boca, por tal, a vaga lembrança do gosto da saliva de uma garota que beijei aos quinze anos.
Marcas de um passado recente por todo o corpo, fazendo-nos lembrar de que a vida fere, machuca, sangra, até mesmo na pele macia de uma bela garota.
E esses conturbados dezenove anos põe meus vinte e quatro em unidades, sinto-me aos dois, sinto-me aos quatro, sinto-me dissolvida, e com saudades de quando eu desenhava na tela em branco da cabeça os tão distantes vinte e tantos.
Os tantos estão por aqui, rodeiam-me, puxam-me os pés ao anoitecer e tiram-me o direito de chamar por meu pai quando o medo é indissolúvel.
Hoje, exatamente agora, eu choro. Choro o choro da menina de quinze anos, a menina que amou como quem morria, que odiou como quem amava, que fez de tudo um pouco de si e que transformou em poesia toda esse caos. Vandalizou as palavras, arrancou do peito cada letra, e passou noites a fio traduzindo a língua estranha de seus monstros.
É pra essa menina, que talvez soubesse muito mais do que eu como estar nessa vida, que eu peço perdão.
Perdão pela subestimação, pela vergonha que eu senti, pelas tantas vezes que te anulei e te calei por ser uma garota de quinze ou dezesseis.
Você foi parte complementar e essencial pra nós.
E deixa-me contar-lhe um segredo – que fique entre nós -: Eu ainda não sei entregar meu corpo a outrem sem que eu esteja entregue a mim primeiro. Travo. Choro. Calo.
E espero que sinta orgulho de mim, pois, hoje, eu não tenho medo de dizer não.
E eu não vou enganar a nós e nem a nenhuma garota, tão pouco a menina dos dezenove de pele macia.
Eu direi à ela que ainda não estou pronta pra dar passos sem bambear, de andar em linha retas. Preciso, de quando em quando, me encasular, ter medo e chorar.
Caminharei ao lado dela, de mãos dadas, se assim ela quiser. Mas não mais direi que sou o que não sei se sou, ou que posso aquilo que ainda busco saber o que é.

Não tenho vinte e quatro, tenho um tempo, um coração imenso, sensível, e olhos sempre úmidos.

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