segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Chata e feminista (e o carnaval)!


                                                           (É por enquetes como essa que precisamos do feminismo)

Ontem pela primeira vez, desde que me lembro, (afinal já vi fotos minha de bebê vestida de “baiana”) fui à um bloco de carnaval de rua em São Paulo.
Fui ao convite de uma amiga e mais me interessou encontra-la do que propriamente dito o evento. Mas a verdade é que ter participado desse evento, pra mim, foi uma saga.
Uma saga em que aspecto? Logo chegarei lá, mas já adianto que escrevo esse texto ainda a flor da pele, ainda com muitos pensamentos inconclusivos e uma vasta incompreensão por minha forma de reagir aos acontecimentos.
O momento em que cheguei à rua que concentrava os foliões tive vontade (e assim o fiz) de dançar, pular, sorrir. Muito me agrada a possibilidade de ocuparmos as ruas da metrópole, de tirarmos os carros do protagonismo e colocarmos a nós, as pessoas. Isso me agradou mais ainda sendo um evento de vazão a brincadeiras, alegria, com direito a crianças e bebês. Ah, essa parte realmente me agrada!
Porém com o passar do tempo no meio da multidão lembrei-me o porquê eu estava a tanto tempo excluída de eventos sociais que fugissem da minha zona de conforto, a verdade é que é insuportável o nível de assedio que sofremos nesses locais de aglomeração que tem dois ingredientes explosivos : homens e bebidas.
É nessa parte que entra o título desse texto: feminista e chata!
Não poderia ser de outra maneira, afinal de contas como feminista e com os poros do acionamento abertos eu não poderia ser outra coisa que não chata. Absolutamente chata.
E mais do que isso, eu preciso dar-me o direito de o ser. Estou atenta como um radar, tenho olhos nas costas e sinto  a distancia cada aproximação não amigável, sendo assim, como poderia me divertir e ser agradável?
Eis que a crise se instala: Não posso permitir que esses atos de violência muitas vezes camuflados de flerte, outras vezes no escancaro total, tornem-se banais e aceitáveis, mas como a maioria das pessoas encaram-no como tal, não por escolha, mas sim por estarmos todos inseridos em uma sociedade patriarcal e machista (dou-me o direito dessa redundância por acha-la necessária) torno-me uma ameaça para os homens e uma histérica para algumas mulheres.
Os olhares dos homens às mulheres mais pareciam de abutres desejando um pedaço de carne do que qualquer outra coisa. Eles mexiam em seus órgãos genitais ao visualizar uma bela mulher, tiravam fotos e filmavam seus corpos, abraçavam-nas sem saber se assim o podiam, seguravam seus braços, e não muito raramente forçavam beijos. Essas cenas todas me transtornaram, praticamente nenhuma mulher conseguia se divertir em paz e deslocar-se sem sofrer algum tipo de assedio.
Estávamos, minha amiga e eu, acompanhadas de mais três meninas: sua irmã e duas amigas australianas, as três menores de idade e belíssimas. Porém as estrangeiras chamavam mais atenção dos homens por terem traços muito diferentes dos nossos (cabelos loiro natural, olhos claros, corpo esguio) e por um comportamento de deslumbre com o nosso carnaval.
Ficamos o tempo inteiro tentando desviar dos abutres, a cada meio metro andado algum homem (e em alguns casos grupo de homens) nos barrava, nos seguia, e umas três ou quatro vezes houve coação e limitação do nosso espaço vital. Insisto em usar esses termos para que possamos enxergar atitudes como: “xavecar uma menina”, “tentar beijá-la”, “pedir seu telefone” e “ser insistente” que são tratadas em revistas juvenis como coisas naturais da juventude, e que muitas vezes aparecem antecedidas de receitas para como fazê-las, como abusos e violências reais.
Somos cerceadas do nosso direito de locomoção, do nosso direito de não sermos tocadas por quem não permitimos e, como pude presenciar muitas vezes ontem, nos casos em que deixamos claro que estamos incomodadas somos ofendidas, ameaçadas e humilhadas.
Não, revistas juvenis, nós não merecemos isso! Parem de dar receitas de como conquistar uma garota na balada!
                                                             (Matéria da revista Capricho)

Hoje, atenta a situações tão deprimentes como essas, percebo como me culpei aos quinze, dezesseis anos por me sentir coagida em baladas, como me culpei por não conseguir sentir-me bem sendo olhada pelos homens que me desejavam, como sofri a primeira vez que um garoto que eu estava ficando colocou minha mão dentro de seu short e eu tive medo de tirá-la.
Ontem, aos vinte e quatro, depois de dois ou três anos inserida na causa feminista, percebi a olho nu o porquê não frequento festas heteronormativas, e mais do que isso, percebi o quão ainda estou machucada por todas as vezes que fui abusada, violentada e nada fiz. Percebi o quanto eu gostaria de ter a Rafaela de hoje cuidando da Rafaela de dez anos atrás, o quanto eu gostaria de ter mostrado a ela que não é normal ser tratada assim, que não é nossa culpa,(e como eu disse ontem à uma das australianas de apenas dezessete anos que se desculpou por não saber o que fazer em relação aos assédios constantes : “It’s not your fault!”) e que ela era só uma garota tentando se encontrar.
Diante de todos esses acionamentos, de todos esses encontros com o passado, nada mais natural que sentir raiva, nojo e um desgosto profundo pelos causadores dessa dor. E diferente do que fiz no passado (por ingenuidade e falta de conhecimento) hoje vou respeitar meu luto, meu tempo, meu ódio, meu corpo e minha necessidade de introspecção.
Hoje estou mais consciente dos riscos que corro por ser mulher e por isso tenho muito mais medo. Então camaradas, não peçam para ter calma, não me digam que estou generalizando, não me digam para ser simpática ou legal.
Serei chata, extremamente chata, corrosiva e terei uns mil pés atrás com qualquer homem que seja.

E é por isso que preciso do feminismo, porque preciso estar na defensiva para poder sobreviver.

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