sexta-feira, 29 de maio de 2015

Fantasmas

Essa manhã eu sonhei com você, um sonho conturbado, confuso, cheio de idas e vindas. Mas esteve claro como um céu azul: era você ali.
Já não consigo ter muito certo a cronologia dos acontecimentos, faz um dia inteiro desde nosso encontro em minha mente. Não sei dizer a ordem das coisas, mas também não sei dizer coisa alguma. É, estou certa disso, não sei dizer coisa alguma.
Mas você estava lá, fazendo barulho, confundindo minha cabeça, sorrindo para mim. Esse silêncio que você traz do lado de cá, essa distância, essa inconstância, nada disso é real do lado de lá.
A questão é que do lado de cá você nem sequer existe, minha imaginação, hoje já tão exausta, faz tudo por nós duas.
Você não precisa correr, tão pouco se esconder, não se dê tanto valor, não há risco que possa oferecer uma garota apaixonada por mais um fantasma.
Ainda assim, preciso falar sobre seus olhos fantasma, sobre o tom fantasma de sua voz, sobre seus passos fantasmas, sobre a mão fantasma que segurou a minha mão cansada. Mas não me dê tanta atenção assim, não há nada que eu diga que valha seu desvio de olhar. Siga seu caminho, continue suas divagações pelo metrô, mantenha firme seus propósitos, não pare de ler seu vigésimo livro do semestre, não deixe de fazer manutenção de sua popularidade e, acima de qualquer coisa, não há motivos para não continuar alimentando suas paixões platônicas, seu sofrimento casual. Tão pouco abaixe o volume das tuas músicas melodramáticas, elas são necessárias para que mantenhamos nossos fantasmas perto de nós. Afinal, o que seria de nós sem eles?
Você é meu fantasma da vez, garota.
E você vem, docemente, e traz pra perto seu cheiro que dá vontade de lamber, e sua pele que dá vontade de lamber, e seus dedos que dão mais vontade de lamber, e sua boca, que eu sinto vontade de lamber novamente.
Eu não sei o que você diria caso existisse por aqui, caso ganhasse ossos, e pele, e sangue e pudesse movimentar seus braços e seus dedos em minha direção. Eu não sei o que você faria se pudesse tocar minha angústia, se pudesse acreditar nas histórias que eu tenho pra contar. Eu não sei se você viria se eu te pedisse pra ficar. Se eu te pedisse pra deixar eu acariciar seus pés, e desbravar lentamente cada pedacinho do seu corpo nu a meia luz.


Mas fantasma não tem corpo, não tem cheiro-laranjeira, não tem gosto de fruta cítrica, não tem coração que bombeie sangue, nem sistema lacrimal, tão pouco um olhar que te faz perder o rumo.

Fantasmas vivem aqui, nas pontas dos meus dedos e viram letras, que viram sons, que viram sonhos, que se esvaem no ar quando chega a primavera.

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