segunda-feira, 27 de julho de 2015
Falta um pedaço da lua
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Inconveniência
terça-feira, 21 de julho de 2015
As marginais
Adentrar a madrugada ao lado delas, sentir o peso das pálpebras e dormir no quase nascer do sol com um sorriso nos lábios, ao lado delas.
Ver o sol dividir o céu com a lua por detrás dos arranha-céus ao lado dela.
Falar sobre elas, sentir o arrepio na pele pelo toque delas, sentir a solidão ir embora, escorrendo pelos bueiros imundos da cidade dos homens. Não ter medo, sentir-se em casa, sorrir tranquila, ao lado delas.
Olhe fundo nos meus olhos, eu estou contigo. Estamos de mãos dadas, de dedos entrelaçados, no vão do mundo!
Eu entendo sua urgência, eu também a sinto pulsando por todo meu corpo. Eu entendo seu pedido de socorro, o suor nas mãos, a solidão também me corroe, me corrompe.
Não é mais preciso se esconder quando estamos juntas, podemos soltar todo o grito contido, podemos expor nossas feridas e cuidar delas, eu da sua, você da minha, ela da sua, eu da dela, eu da minha, você da sua, ela da dela...
Não estamos felizes juntas, felicidade não cabe quando se carrega nas costas o peso da violência de toda uma vida, estamos seguras e fortalecidas, estamos conectadas, e dividir o peso pode ser razão de mais um dia viva.
Eu estive com elas, estive com as dores delas, estive inebriada pela beleza delas, pelos corpos que sangram, pelas almas que sangram, pelos olhos que sangram.
Eu sou elas, das mãos grandes, das mãos pequenas, do corpo miúdo, do corpo alongado, dos cabelos curtos, dos cabelos longos, dos não-cabelos, da luta!
Lésbicas, elas são as lésbicas, eu sou a lésbica, somos essa palavra que não se diz, somos a solidão, as marginais, a sapatão!
E é com elas que eu quero estar, é por elas que eu quero estar.
Me dê sua mão, se você cair eu te ergo! ( assim como vocês me ergueram ontem)
quarta-feira, 15 de julho de 2015
Tóxica
Estou cansada de falar sobre nós como se não estivéssemos aqui, como se eu não estivesse olhando fundo nos teus olhos e sentindo meu corpo estremecer.
Eu desejei tanto ir embora, acho que ainda desejo, aqui, no profundo obscuro do meu coração.
Hoje eu reconheço suas mentiras e elas não são piores do que as minhas, eu sei que elas eram tudo que você tinha.
Sei daquela sua solidão melancólica, sei da minha solidão efusiva, e escolhemos viver juntas nossas solidões.Mesmo com toda a dor mantivemos aquecidos nossos corações.
Nós tivemos um plano em nossas mentes: cabelos ao vento, pé na estradas, Janis ou Marchall , quem sabe até Gessinger, nos fones de ouvido divido. Não duvido que desenhamos o cigarro entre os dedos, sempre achei suicidamente lindo vê-la soltar a fumaça em formas circulares dos lábios avermelhados.
Eu e meus vestidos floridos, você e sua calça rasgada, meus lábios vermelhos, seus grandes olhos esfumaçados. Você me salvou, eu te salvei! E com a mesma força nós destruímos, pouco a pouco, o muito que tivemos.
Nós fomos um rompante, uma roleta-russa de sentimentos, acertamo-nos nos pés e no coração.
O fogo queima o peito, faz arder todos os órgãos do tronco, paralisa os braços. A bala continua alojada, não podemos extraí-la, tirá-la nos mataria.
Nos restou correr, e assim o fizemos, corremos muito. Primeiro você, correu de angústia. Depois eu, corri pra te pedir pra ficar. Ainda sinto-me ofegante, você sabe, nunca foi meu forte exercitar-me.
Sentei ao meio fio, no frio cinzento do asfalto, e chorei por dias incalculáveis. Eu só queria voltar pra casa, meu bem. Eu só queria que você viesse me buscar, que me deixasse afagar seus cabelos enquanto o sono não vem. Acordar depois de um sonho ruim e sentir o calor da sua respiração.
Não dormi, tão pouco acordei. Você não veio me buscar, não voltaria mais, eu sei. Levantei e segui, contaminada pelo cinza, pela fuligem, pela dureza de caminhar com minhas próprias pernas gordas.
Caminhei, lenta e perdida, errei o caminho, voltei. Caminhei, caí, levantei, chorei, pedi por todos os santos que você voltasse. Caminhei, me pintei, me lavei, me tirei de mim, me devolvi à mim e chorei.
Não é seguro estar contigo, tanto quanto não é seguro estar viva. Você é tóxica, meu amor, tanto quanto eu e o resto do mundo.
Parte de aceitar quem sou é aceitar nosso amor, porque te amei como quem enfurece, rasguei minha pele, não preciso esconder minha fúria agora. Você não precisa mais se esconder, querida. Estamos juntas,de alguma forma, no inferno.
Contamine-se com a doçura fatal de nossos sorrisos fundidos e em silêncio assassine tudo que te faça ter dúvidas de que você é capaz de lutar.
Se nosso amor é caustico é porque caustificaram-nos, não precisamos nos curar, o sal do suor na carne viva o fará por nós, o que precisamos é matá-los!
terça-feira, 7 de julho de 2015
Carta dos 29 anos.
Os anos passam, um a um, e em pouco tempo tornam se muitos. A verdade é que poucas vezes tomamos ciência de que estamos onde deveríamos estar. Parece sempre tão pouco, e o pouco que ainda resta parece difícil de aguentar.
Eu consigo entender sua angústia. As águas calmas machucam e as águas turbulentas ainda mais. Há um desajuste, uma desconformidade. Nada me tira da cabeça que o que nos dói é estarmos presas num corpo, entre esses músculos, essa carne, esses ossos. Sinto sempre que a explosão está próxima, mas ela nunca vem.
Queria manter a formalidade social e te desejar um feliz aniversário, um novo ciclo cheio de sorrisos sinceros e menos dores, e sim, eu realmente desejo todas essas coisas mas eu sei que a paz não te cabe. Na real paz é tão medíocre.
Te desejo boas doses de inconformismo, outras tantas de força, paciência consigo mesma, confie mais nos gritos da tua alma, mesmo que esses pareçam histéricos! Não se isole tanto também, há uma porção de mulheres precisando dessa conexão que você é tão capaz de prover.
Envolta pela sonoridade desconcertante de Cat Power eu te confesso que minhas palavras não expressam metada do que meu corpo queria lhe dizer. Há ligações que só um corpo suado colado a outro é capaz de fazer.
As memórias, as vontades, elas estão aqui, vividas, esperando o dia que você vai voltar.
( mesmo que não volte, de nada me custa esperar).
Há um mundo potencial que nos espera pra desbravar. E por mais que tenham nos feito acreditar que não, eu te juro amor, que ele existe.
Trocar a pele dói, queima, destrói uma porção de certezas absolutas, mas leva embora a submissão, a fraqueza, a solidão. Estar em meio a multidão é a solidão em sua forma mais cruel. Hoje eu tenho você, tenho a mim e uma porção de outras mulheres que estão de braços erguidos curando suas dores, e estar por você, por mim e por elas é a completude em sua forma mais concreta.
Não te desejo felicidade, seria hipócrita demais, mas grava em teu coração: eu estou aqui, segurando firme a tua mão, se você cair, eu te ergo!
Com amor, Rafaela.